CANTIGA DA MOÇA DO AMOR AMARRADO

Eu sou só mais uma.
Mas, eu sinto. Penso.
Tenho nervos. Sofro.

Impossível adormecer no colo de uma esperança,
de uma perspectiva,
de uma lenda,
porque eu tenho fome. Sofro.

Tenho muitos amigos.
Tenho muitos irmãos.
Tenho muito sol pela frente,
e muita chuva dorme comigo,
num passado de bonecas, passeios
e papeis rasgados.

Eu sou.
Eu sinto.
E existe uma lua que não tem sentido,
envolvendo cada passo que dou,
cada dia que vivo.

Memórias de amados me cercam,
como a cerca cerca o verde do pântano.
Como quem pega e larga alguma coisa,
eu me entrego e me tranco.
Insisto e desisto,
com voracidade e desânimo.

Em mim, a expectativa:
vai aparecer alguém ― eu sei.
Enquanto isso, o vazio.
E eu me deito com a solidão,
com a mesma coragem
com que o trem rasga a madrugada.

Me perdoe, você, que se apaixonou por mim:
meu coração é cigano,
não esquenta lugar.

São Paulo 1973


© 2022 Marcos Resende
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