XI
Silêncio nos horizontes e nos plátanos e nas pétalas.
Escuridão e o séquito de sandálias e sapatos.
Samurais, segréis e silfos
palmilhando o pó do pânico.
Regurgitando. Rugindo.
É como se fosse uma cornucópia
Esparramando horror numa toalha.
É como se fosse a madrugada besta esfaqueando a lua.
E rumo ao despenhadeiro
celeremente caminham
escorpiões e fantoches,
almirantes e eremitas,
lenhadores e morcegos,
carrascos e hamadríades.
A tropa fantasmagórica
de personagens estranhos.
O Grande Lama do Tibet,
os Mosqueteiros de França,
o Homem de Neanderthal,
os Piratas do Caribe,
os Gangsters de Chicago,
os Fidalgos Espanhóis,
Ivan, o Ferroviófilo,
salteadores de Estradas;
O Fazedor de Brinquedos
e o Velho da Montanha;
Limpadores de Chaminés,
o Homem que botava ovo,
o Homem que beijava pés,
o Homem das Neves,
o Holandês Voador,
e o Judeu Errante.
E haverá silêncio até que o relógio dos séculos
manquitolando caduco balbucie a Hora Alta.
XII
Todas as aparições foram confirmadas.
As doceiras farão um doce de abóbora
com um gosto muito antigo.
E as pessoas se libertarão dos medos
como quem se purifica do mofo de uma ditadura.
XIII
Raiva e remorso ― delírio.
Grito escarrado na noite.
Escuridão e declínio.
Sangue de vento. Perigo.
A hora é mágica. Fantástica. Fatídica.
A multidão semovente multimove-se, palpita.
Quem pode ver se regala, se lambuza. Precipita.
Sem tambor e sem charanga,
A humanidade caminha.
Mortos e vivos pairando
nas enxurradas, nas ruas.
Hereges e domadores,
cônsules, réus, joalheiros,
apóstatas, centopeias,
deputados e serpentes.
Marionetes e nereidas,
pigmeus e senadores,
arautos e fazendeiros
e touros mortos na arena.
Burgomestres e centauros,
minotauros, marinheiros,
cirurgiões e harpias.
E a noite que não dá conta.
E o dia que não desponta.
A noite, a noite e a agonia.
XIV
E todos os túmulos se abriram
e despejaram os músicos, quiromantes e astrólogos,
argonautas e ciganos
e viajantes do espaço, dos trópicos e oceanos
com suas caravelas, naves e espaçonaves,
cartolas e coelhos,
instrumentos e esferas encantadas.
XV
É como se fosse um circo, anfiteatro infinito. Ah, se alguém pudesse ver da arquibancada do mundo, o despertar de dragões, o desfilar de gnomos, a frota de zepelins, o Velocino de Ouro.
A majestade e o fascínio da caravana impossível. A Rainha de Sabá (formosa como a lua) escoltada por todos os tapetes voadores de todos os gênios das mil e uma noites.
Pégaso, o cavalo voador, planando placidamente, enquanto o Pássaro Roca encabeça a esquadrilha de corujas e falcões e grifos e basiliscos, gaivotas e vampiros, pterossauros e anjos.
E todos os turbulentos deuses, de todas as épocas e mitologias, epopeias e dilúvios, transitam plenividentes, destronados e ambíguos, seguidos pelas gazelas, unicórnios e ciclopes, sereias e tuaregues, arquiduques e carunchos.
Ah, se houvesse um telescópio afunilando as imagens alucinantes do dia. Prometeu, fogo no fígado, incêndio na mão, abre alas para os rebeldes, os gigantes e os ursos, os grão-mestres e tetrarcas, caranguejos e gurus.
Cérbero, o cão do inferno, no farejar de fantasmas é mestre-sala e vigia na fileira dos coveiros, das carpideiras e crápulas. É o bloco dos sonâmbulos, dos alcaides e dos cúmplices, dos índios e bailarinas, dos jacarés e dos búfalos, do Monstro do Lago Ness, das cigarras e Valquírias.
O Rei Arthur da Távola Redonda corta o cortejo com Excalibur, sua espada encantada, com Guenevere, sua rainha impossível e Lancelot, seu amigo intocável. No horizonte, flamejando, a visão inviolada do Santo Graal ― um vislumbre, um slide embaralhado.
E todos os que foram vice na vida viajam no mesmo grupo, entre leões e duendes, templários e alquimistas, tanques de guerra e mucamas, pastores e cangurus.
Ah, se alguém pudesse ver na trajetória do dia, o emaranhado de assombros, orgia de gente morta, navegantes do absurdo.