CARTA

Odiópolis, 28 de novembro de 1967

Caro irmão, amigo e sangue na longínqua Fraterlândia, saúde, alegria e paz te desejo nesta carta. Desde que saí daí, eu não pude te escrever, minha luta é muito intensa pra poder sobreviver. Porém, não fiques com medo, por aqui vai tudo bem, aqui é tudo tranquilo, há ruas intermináveis e edifícios elevados que quase vão dar no céu.

Caro irmão, amigo e sangue na longínqua Fraterlândia: aqui é tudo bonito, tudo é bom e grandioso. Por aqui roda dinheiro que é um nunca se acabar. Estou contando isto tudo pra veres com estou bem. Tudo é belo e de concreto. Tudo, não; ruas de asfalto, há residências de pedra e automóveis de metal.

O povo? Como é bondoso! São pessoas muito sérias, feitas de ferro e de prata, seu coração é de chumbo, vestem costumes de estanho. Imponentes e impassíveis em suas naves de ouro.

Meu irmão, amigo e sangue, na longínqua Fraterlândia: desde que mudei daí, eu não pude te escrever. Meu trabalho é muito rude e me toma muito tempo. Porém, não fiques com medo, tudo aqui é muito bom.

Meu trabalho, não te disse, vou contar como é que é: trabalho com os forasteiros pro cortês povo daqui. Só os de fora trabalham, os daqui não têm mais tempo. São pessoas de alta estirpe.

Trabalhamos numa usina que supre toda a cidade de importantes alimentos: vaidade, orgulho, avareza, luxúria, cobiça e inveja. Tu não achas formidável? Como é agradável ser útil.

Na cidade, só concreto. É belo tanto cimento! Só não sinto ver o céu, encoberto por fumaça, tão azul em Fraterlândia. Não te esqueças de abraçar toda cidade em meu nome.

Caro irmão, amigo e sangue na longínqua Fraterlândia: vida longa, amor e paz, te desejo nesta carta. Desde que saí daí, eu não soube o que é viver. O concreto me devora e o ferro me fere na alma. Ah! Eu tenho-te um recado de que quase me esquecia: amanhã, ao pôr do sol, devo deixar de existir. Fui condenado a ser morto por um tiro de fuzil. A sentença foi justíssima e eu me sinto com remorso do crime que cometi: amei infinitamente uma moça linda e loura, colega minha da usina. Fomos vistos e julgados; um Banqueiro e um Sacerdote exigiram nossa morte em nome da Sociedade. Caro irmão, não fiques triste, é gente muito importante feita de ferro e de prata. Seu coração é de chumbo e seus dedos de granito.

Caro irmão, amigo e sangue, na longínqua Fraterlândia: adeus e viva feliz. Amanhã, ao pôr do sol, devo deixar de existir. Porém, não fiques com medo, por aqui vai tudo bem. Aqui é tudo bonito, há ruas intermináveis e edifícios elevados que quase vão dar no céu.

                                                              Seu irmão.

São Paulo 02 Novembro 1967


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