NA MADRUGADA E NA LUA

CONVIVENDO COM UMA ESPERA


Sem remendo e sem remédio
sobrou ao pranto da aurora
uma promessa impossível
quase-impulso, quase nada.

Sobrou aos olhos das gentes
uma herança coriforme
das cores foscas de um dia
sem roxo, sem madrugada.

Eu guardei da fonte verde
uma gota de absinto.
Eu trouxe um sonho embrulhado
num papel de celofane.

Eu trouxe um resto de estrela,
um sopro lasso de vento,
um breve canto de grilo
e uma lasca de topázio.

Sou num rastro de esperança
uma espera, espreita, espaço,
um dom em forma de abraço,
sono, cena, sina, som.

Eu vim de esperança em riste
buscando os olhos da amada,
buscando o corpo da amada,
buscando um sinal de sangue.

Sem remendo e arremedo
procurei o sim, o sempre.
Ouvi pela noite inteira
um rouco lamento sapo.

Sem remendo e sem remédio
pernoitei um pranto longo.
Vem de fora o vento e o frio
uivando seu desespero.

Onde mora, onde dorme
o belo corpo moreno?
Qual lençol me usurpa o leve
rocejar de meus desejos?

Qual lençol cobre o seu corpo
de imensos cabelos negros?
Que carícia lenta eleva
seu corpo a rumos de gozo.

Dormi na espera e no choro,
cansado de tanta espera.
Nada me resta. Persisto.
Sem remendo e sem remédio.

São Paulo 1968


© 2022 Marcos Resende
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