DE BRAÇOS CRUZADOS
Cansei os olhos e o corpo
de esperar pela manhã.
Mas, a manhã chegou tarde,
e o que me sobrou da espera,
foi um sono de descaso,
alienado e profundo.
O que me sobrou da infância
não foi de mais nem de menos:
sofrimentos, alegrias,
guardados na mesma mala.
Trago choro, trago bolo,
trauma, recalque e alegria
consolo, mágoa e saudade,
nesta viagem vazia.
O que me sobra é confuso,
o que transporto são dúvidas.
Se abrisse a boca, eu diria:
Onde estou? Que faço aqui?
Mas, não pergunto. Caminho.
Em volta, temos barulho.
Mas tanto seguir. Tropeço.
A bomba espreita. Gemidos.
Consigo andar. Recomeço.
Morto um menino no Rio.
De Hiroshima ainda gotejam
sangue, lágrimas. Não ligo,
me viro de lado. Ronco.
Morto um menino em Hai-kong.
Em Hanói, o americano
encontra mulher barato.
A bala zune. Ferido.
Dezoito anos de enganos
nos encontros com a vida.
O que concluo é pergunta.
O que respondo é pergunta.
A noite chegou. Tenho cama.
Meu estômago está cheio.
Acendo um cigarro. Leio.
Entretanto, um choro fino
Num velório ou numa cama
anota os fatos do dia...
O pai. A mãe. A mulher.
A mãe. O filho. A mulher,
unidos no mesmo pranto.
Fujo ao jornal. Ignoro.
Em pouco tempo me esqueço.
Comi bastante. Não choro.
Apago
a luz. Adormeço.
São Paulo 1969