CARTAPOEMA PARA OTACÍLIO E MÁRCIA 

Irmãos em Tempo de Maio, Mês e Amor


(Para Otacílio)
É uma estrada. É (só) tua. Vai
Foi bastante a espera ― eu sei ― agora é madrugada.
Vai.
Não sei o que te resta das migalhas
do sofrimento longo por que passaste.
Não sei o que perdura
da procura longa a que te sujeitaste.
Nem sei
não sei.
nem quero me lembrar
ou perguntar
se existem cicatrizes de uma caipira
que jamais foi deusa.

Te digo: toma conta.
A deusa não é loura. É tua. Toma conta.
É tua.
Vai.

(Marcos falando de Márcia)
Minha irmã é morena
e tem pele morena
― é pequena ―
― é morena ―
e tem pele morena.
É sincera
e te espera
é mulher
e te quer.
É criança em quermesse
sem trança
e sem dança
e conhece o que quer. É mulher.
Não é fada.
Esperança encantada,
esperança sem nada
que sabe querer
e entender.
(Para Otacílio)
Não esperes. É hora.
Cessou a demora.
E agora que é hora.
É preciso fazer.
(Recordações Eu-Otacílio
unidos, caminhando
pela estrada)
Eu procurando Rose Ann pela madrugada
de uma estrada que não conduziu.
Rua Belo Horizonte: uma tentativa,
uma rua viva,
uma lua esquiva
que não refletiu.
O que interessa é nossa pressa
de continuar vagando, andando pela estrada.
Marcos buscando Rose Ann.
Otacílio buscando Otacílio.
Otacílio perguntando-se por Lucy Ann.
Tacílio perguntando,
Otacílio andando
amando
acompanhando
e Otacílio só, sozinho em seu caminho
de andar sozinho
e de viver tão só.
Jogo de Xadrez.
Chá de Cemitério.
Otacílio sério.
Otacílio só.
Chopin... E:
 ― Eu vou falar com ela!
 ― Eu vou dançar com ela!
 ― Eu já falei com ela!
 ― Eu já dancei com ela!
E Otacílio só.
(Recordações de
Marcos regressando
de uma estrada)
Escuta, Otacílio,
Rose Ann é uma esperança morta.
É um ídolo sagrado
que o tempo carcomeu.
Rose Ann é catecismo
que foi desmascarado.
É pássaro perdido,
é cântaro quebrado,
é símbolo falido,
é mármore partido,
é pêndulo parado.
Varginha Maio 1971

..............................................................................................................................................................


(Otacílio a Marcos,
anos depois)
Marcos, achei: estou vazio e frio.
Faz carnaval? Nem sei. Por dentro estou vazio.
E agora que parei, pensei: minha alma é fria.
E o canto que empunhei, rasguei com a fantasia.
Meu coração parou. Passou. É fogo frio.
O choro coagulou as águas do meu rio.
A vida se arrepende, pende por um fio.
E quanto mais me aflijo, mijo, mujo e mio.
Meu coração é NÃO malhando ferro frio.
Meu coração é dor? Nem dor, está vazio.
São Paulo Fevereiro 1974


© 2022 Marcos Resende
Desenvolvido por Webnode
Crie seu site grátis! Este site foi criado com Webnode. Crie um grátis para você também! Comece agora