MONO TOM

O sol acorda para um novo dia na cidadezinha.
Os homens vão ao trabalho
as mulheres fazem almoço
e as crianças brincam

Um padre faz um batizado
e ganha dois frangos e uma dúzia de ovos
um menino nasce
e um velho morre
um marido foge
e a mulher arranja outro que a esperava na esquina

Um juiz recebe suborno
e um pobre vai para a cadeia
o prefeito é descoberto no quarto da empregada
e sua mulher ganha um vestido novo
a mulher do dentista acaba de almoçar
e vai fazer sua visita diária ao médico

Há boêmias jovens e velhas cobertas de batom e rouge
com corpos esqueléticos e dentição podre
que acordam mais tarde
apesar de se deitarem várias vezes ao dia

Há ruas imundas
e porcos engordando atrás das casas
há crianças com fome
nadando no ribeirão de descarga pública.

Há um hospital coberto de poeira
e um coquetel de micróbios
há crianças barrigudas
e mulheres lavando trapos

Há uma duquesa solitária
em sua mansão rural
há paredes envergonhadas
e uma vitrola em ação
há mulheres nas igrejas
e comadres nas esquinas
há um poeta declamando
e um político discutindo
há uma conferência de homossexuais
num gramado de jardim

De tudo há um pedaço
sem qualquer revolução
de tudo há todo dia
mas nenhuma alteração

E entediado da vida
com um pouco de dor de cabeça
o sol se esconde para descansar daquela cidadezinha chata.

São Paulo 1966


© 2022 Marcos Resende
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