Na
cidade que não vi, na rua que não cruzei das entranhas de uma terra de sabor desconhecido, brotou a flor solitária de que não tive notícia. Era boa.
Numa terra diferente, longe daqui e de mim, longe da flor e dos homens, foi chocado um ovo podre. A terra a expeliu em dor e a filha extirpou, sem pena, o cordão umbilical. Eu a conheço: é a Bomba. Ela é má.
II
― Brancamada rubridoce,
trazes nos olhos de estrela, um palor, novo pra mim.
― Hoje, lampiões mortiços, meus olhos souberam cardos, nascidos antes de mim.
― Belamada, onde enterraste
a aurora de teu sorriso?
― Num canteiro bem tratado, onde, inexplicavelmente, jamais floresceram rosas.
― Já te esqueceste do amor
que plantei em tua noite?
― A noite sumiu na bruma:
e = mc².
― O que fizeste do carro,
sonhado por teus caprichos,
nas caminhadas sem rumo?
― Um carro é presa indefesa
da morte vinda do chão.
Pra fugir, preciso mais:
e = mc².
― O apartamento teria
cinco quartos, não te lembras?
― Em cada quarto, um esquife.
Tarântulas e esqueletos
debaixo do cobertor.
Pelas portas, cadeados
como defesa-avestruz
da vida ao sabor do símbolo:
e = mc².
E os filhos por nós pensados?
― Não sairão de esperanças,
jamais quebrarão a crosta
dos planos traçados juntos,
no tempo em que céu foi céu
e chão por chão foi chamado.
Agora, o soar soturno
de garras rasgando terra;
agora, o piar escuso
de mochos nas alvoradas.
agora, o cantar sereio
no sopé dos precipícios;
e o rastejar clandestino
das serpentes nos berçários.
III
Avançar ― para o patíbulo. Esperar ― ovelha-espera.
A bomba espera impassiva,
lasciva, sorriso urônico.
Manhosa, espalma seus dedos,
mãos uraniquextremosas,
e esparge carissevícias
sobre a impotência das vítimas.
Pantera, aguarda, espontâneo,
chegar na fímbria do mato,
o tão provável banquete
de hidrogenocida prato.
Ah, carneiros, meus irmãos,
de Nagasaki e Hiroshima, raiz-caule-botão-flor submersos na poeira; oferendas semimortas
rastejando pela vida,
nossos dias são tão velhos,
quanto os teus, radioativos.
IV
A fazer, só longa espera. Belo o dia, o dia triste: esperamos.
Violando o vir-futuro, deflorando o véu do Tempo; esperamos.
Recebendo dos crepúsculos novas lições de fracasso; esperamos.
Racionalmente inventando novas ideias de aurora; esperamos.
Reservando último espasmo para a histeria conjunta; esperamos.
Morrendo em muitas fraquezas; renascendo, em novo choro, em cada flor que vingou; esperamos.
Convulsamente aguentando, ingenuamente aspirando a brisa seca da morte, (por incrível que pareça) sobrevivemos.