CALEIDOSCÓPIOS, MOÇAS E MÁGICOS
CALEIDOSCÓPIOS, MOÇAS E MÁGICOS
Em Calendas, a linha do trem me conduz à madrugada.
Nas ruas da cidade nova, a luz do dia se reveza com a lâmpada de mercúrio, não anoitece nunca. Os homens levam suas mulheres muito cedo para a cama. Às onze horas da noite, já nâo se vê mais ninguém caminhando pelas ruas.
Na cidade toda nua, um cheiro de tudo novo, um jeito de tudo limpo: muita ordem, muita escola polindo metais, vassouras limpando escadas, pincéis caiando paredes, tesouras podando arbustos - vernizes, aerossóis, aventais, naftalinas.
Nesse mar de assepsia, o milagre do mercúrio imitando a luz do dia. Cidade limpa e sem graça. Povinho fútil, arrogante, bobinho, maledicente, capiau, desenxabido.
Mas, depois de dez minutos caminhando pelos trilhos
uma clareira se abre - caleidoscópio gigante
Na clareira, doze casas:
casarões e sobradinhos cheios de moças bonitas
luz vermelha nas varandas
postes antigos na rua de terra também vermelha
luz amarela - fraquinha
Nas moças, vermelho vivo nos sapatos, nos vestidos
nos rostos afogueados
nos lábios de puro fogo
nos olhos encapetados
no jeito de rir, de andar
no jeito louco de amar
no cheiro gostoso delas
A noite mergulha fundo na madrugada
a rua parece enfeitiçada - carnaval impressionista
Caleidoscópio girando
Pensão Paris
Bife de Ouro
O Cabaré Luz Vermelha
A cantina da Gaby sem hora para fechar
Ninguém com hora marcada
Moças saindo
entrando
voltando
rindo
dançando
a rua cheia de moças
A serenata vem vindo
violão
flauta
violino
o som ainda tão longe
a rua cheia de gente
as casas cheias de moças
Os moços da madrugada
alucinantemente mágicos
rolando pelas estrelas
flutuando ao som da flauta
beijando os lábios das moças
beijando tudo das moças
enchendo a cara de vinho
Caleidoscópio girando
os moços noivos da noite
luar espelho da noite
luar voyeur luar menestrel da noite
Caleidoscópio girando
Vestidos
pés dançarinos
desejos coxas bruxedo
prismas prendas violinos
brilhos de anéis lábios dedos
cambraia prata açucena
absinto sete sentidos
apertos
gula carícias
delícias suor delírio
Clareira com doze casas
(as casas cheias de moças)
caleidoscópio encantado
girando festa na noite
(A madrugada envelhece
tecendo névoa na rua)
Saí no melhor da festa (voltei à cidade boba) e até hoje me arrependo: queria ficar pra sempre,
mas... já não sei o caminho. Sei que a festa continua; até hoje ela está viva no caleidoscópio mágico:
o tempo girando em falso, beleza roubada ao instante...
... A noite cheia de gente
as casas cheias de enlevo
os moços cheios de vinho
as moças cheias de sonhos
A rua cheia de lendas
as casas cheias de bruma
a lua cheia de estrelas
as moças cheias de lua